Comparar o livro O Diabo Veste Prada com a sua adaptação cinematográfica (minha primeira impressão sobre o filme pode ser lida aqui) é um exercício interessante sobre como funciona uma adaptação literária para o cinema. Não se engane, o roteiro de Aline Brosh Mackenna sobre o original de Lauren Weisberger não faz feio, é conciso, espirituoso e tem bom diálogos. Mas elimina qualquer resquiício de ousadia e subversão que poderia existir sobre o tema.
Não que o romance vá muito longe. É uma leitura agradável e, apesar do grande número de detalhes sobre o universo editorial que cobre a moda, é basicamente uma obra catártica sobre crescimento profissional e chefes implacáveis, gente sem um pingo de sensibilidade que adora escravizar a alma alheia. A autora inspirou-se na experiência que teve ao trabalhar para a chefona da revista Vogue norte-americana, Anna Wintour. Uma pessoa, dizem por aí, não muito gracinha.
A diaba da vida real, Anne Wintour, levando torta na cara.
No filme de David Frankel, um diretor qualquer nota, o inferno dura só até parte do filme. A Andy Sachs da Anne Hathaway (dona de uma beleza curiosa, boa atriz, bastante carismática) logo passa a ganhar destaque e a questão principal do filme passa a ser uma abordagem bem artificial sobre ética pessoal e profissional. Nada contra, mas soa hipócrita. Miranda Priestley, em mais uma caracterização perfeita e inesquecível de Meryl Streep, passa a ser humanizada. De bruxa, vira um gênio mal-compreendido. De frígida e gélida, passa a ser retratada como uma incompreendida mulher de negócios, que faz aquilo o que uma mulher do seu porte tem que fazer, e portanto é vilanizada.
É um viés interessante e um tanto feminista, ok, passa. No livro não tem nada disso. Mais pé no chão, até porque parece ser bastante ligado aos fatos verídicos que marcaram a vida da autora, Miranda é o que é, uma figura competente, um tanto enigmática e desagradável, cuja visão de vida é de que um empregado não passa de um empregado e deve ser tratado como tal- ou seja, como um pouco menos do que nada. A subtrama envolvendo a suposta demissão de Miranda também só existe em política. Um sabor a mais, afinal o livro é mundano e não tem este tipo de tensão.
Loira na sua encarnação literária e menos sem-noção do que a sua versão em celulóide no começo da saga, Andy não pode não ter os olhos, o sorriso e o charme da Anne Hathaway , mas também é mais crível e determinada no papel. E se no filme Andy e Miranda, cada uma ao seu jeito, passam a ser admiradoras mútuas com um brilhante futuro pela frente, no original o relacionamento termina com um delicioso, merecido e muito esperado “foda-se” vindo da empregada. Ufa, ainda bem.
Os amigos de Andy no filme, apesar dos bons atores, são bem diferentes do original. O gordinho gay fascinado por moda simplesmente não existe no livro, e a Lily cinematográfica, vivida por Tracy Thoms, um das melhores coisas de Death Proof, está apagada e é em tudo diferente da melhor amiga do original – pra se ter uma ideia, no livro ela é promíscua, folgada e alcoólatra. Too much reality to Hollywood. Emily Blunt, hilária no filme, transforma a secretária Emily numa pentelha impagável. Mas, voltando ao livro, originalmente ela é muito mais crível, solidária e palpável.
Os personagens masculinos são os que mais sofrem no roteiro de Mackenna. Subdesenvolvidos, o único que tem um papel bom de verdade é o Stanley Tucci, um grande ator, cujo Nigel é totalmente diferente da versão literária, nos aspectos físicos e caracteristícos, mas bastante crível e interessante na tela. O personagem do namorado, que eu acho o pior defeito do filme,é bem diferente também. O roteiro só fez piorar o cara, e a expressão boçal e de tédio do Adrian Grenier não ajuda nem um pouco. Muito menos o personagem do Simon Baker, um ator razoável, mas no filme só fazendo pose. Seu personagem no livro era muito melhor. Quanto a Gisele Bündchen, citada no livro, assim como Reese Witherspoon e uma ou outra celebridade, sua ponta é apenas curiosa.
PSIU: Em uma manobra manjada para evitar processos, a temida Anne Wintour, ex-chefe da escritora, é citada no livro como uma espécie de rival de Miranda. No filme não se deram a este trabalho, a mensagem está lá bem clara.
O DVD de O Diabo Veste Prada: Boa imagem com o corte original (2:35:1) e faixas de áudio em inglês, português e espanhol. Em vez de vir cheio de frufrus e menus cheios de pose, o dvd de Diabo é bem simples e funcional. Tem comentários em áudio da equipe principal (diretor, fotógrafo, figurinista...), mas a Fox Video fez o favor de não colocar legendas, afinal todo mundo sabe falar e entender inglês no Brasil.
Há trailers, cenas excluídas, erros de gravação e mini-documentários, os chamados featurettes. Um fala da adaptação e do trabalho que foi encontrar um roteirista adequado às necessidades da produtora. Outro aborda a moda em Nova York, mais outro mostra o trabalho da figurinista Patricia Field (digamos assim, uma profissional extravagante), que teve que lidar com um orçamento restrito para obter muitas peças.
A luta pra convencer o estilista Valentino a fazer uma ponta no filme (cena que dura meros segundos) também é retratada em um dos especiais, assim como a abordagem do cotidiano de uma editora-chefe, aparentemente não escrota, de uma revista de moda italiana. Mas o melhor doc é o sobre os chefes sem noção, com o singelo título Do Inferno. Recheado com uma divertida série de entrevistas na rua, relata algumas extravagâncias e maldades desses seres superiores e iluminados que são os patrões.
O dvd atualmente é encontrado apenas com embalagem slim, em qualquer loja virtual ou Americanas da vida, numa capa original ou numa bem feia e bizarra com que a Fox resolveu brindar os cinéfilos recentemente. Inútil. Legendar comentários e baixar preço ninguém quer, infelizmente.
O livro, cuja capinha atual é a mesma capa da primeira versão do dvd (odeio isso, curto capas originais; enfeitar com pôster de filme é trash) também é razoavelmente fácil de ser encontrado, e uma vez ou outra entra naquelas promoções de livro por R$10 no submarino. De nada, Submarino.
MAIS SOBRE O FILME: a impagável crítica de Kleber Mendonça Filho, que chama atenção para o fato de que o filme poderia se passar perfeitamente numa churrascaria.
- That´s All!
The Devil Wears Prada / David Frankel / 2006 / (2:35:1)
"O Diabo Veste Prada" - Lauren Weisberg - Editora Record
2 comentários:
finally! how many times do i have do scream your name, emily?
verdade que andrea manda miranda se fuder no livro? então ela termina sem a lição que aprende no filme - a andrea do começo é a mesma do final, é isso? porque no filme, elas são diferentes [me sinto um imbecil por estar levando isso muito a sério, mas tampouco gosto de levar a sério filmes sérios].
sobre o filme [pq não li o livro], acho ingenuidade julgá-lo a partir do filme sobre moda que ele não é... vejo muito mais como uma história legal sobre o trabalho, acho que comentei algo contigo... a outsider do filme, obviamente, é andrea, mas principalmente porque ela não respeita o trabalho de miranda nem de ninguém daquela revista... a arrogante na história é ela, e não miranda... ela acha que moda é uma coisa menor, fútil, menos nobre e se as cobranças de miranda parecem absurdas, é porque ela, andrea, realmente é incompetente, ela está ali somente para conseguir um emprego "a altura" da inteligência dela, o de jornalista... obviamente tem o lado ridículo da coisa toda, mas não vejo andrea apenas como uma pessoa do "bem", ela é bem preconceituosa na verdade, e no final entendi que ela superou isso.
é evidente que eu não entendi o filme né.
Kkkk, ri alto com este seu comentário, e olha que já é meia-noite. Adorei sua teoria sobre Andrea, agora a vejo com outros olhos, olhos não mais míopes. Antes ela era fofa e digna, agora começo a repensar o caráter e a postura da moça. Precisamos discutir isso, plus a vida sexual de Miranda, numa mesa de bar. Agora, where´s the latest Harry Potter book? The unpublished one, your bitch.
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