domingo, 13 de dezembro de 2009

Bastardos Inglórios ( ** )


Um maravilhoso filme irregular

Quando vi Kill Bill – Vol. 1 pela primeira vez foi traumatizante. Para mim não foi uma sessão de cinema, foi um experimento de tortura. Não tive estômago pra tanta carnificina, e não caí naquela de que “é tudo tão artificial que não choca”. Sim, o sangue ali tem uma cor diferente e jorra em excesso, mas um braço cortado ainda é um braço cortado. Mas, se hoje não tenho problema algum em rever o filme de olhos bem abertos (tirando a cena da porta; nunca me acostumarei com aquilo), fica a lembrança da tensão causada nos filmes de Tarantino, seja por pressão psicológica ou pela integridade física do outro. Isto está presente em todos os seus filmes.

O temor pelo o que acontecerá pelos seus personagens, os confrontos, os embates muito bem construídos, são uma das melhores coisas em seus filmes, e a ausência desse sentimento em diversos momentos chaves de Bastardos Inglórios já é um indicio de que algo está errado aqui. Em cenas chaves parece que estamos vendo uma imitação Tarantinesca, não um momento saído direto da fonte.

Tem tudo o que esperamos de um Tarantino: cinefilia exacerbada, a maravilhosa reutilização da trilha sonora alheia, diálogos extensos e sensacionais, atuações intensas, a quebra de expectativas e momentos surpreendentes. Mas Bastardos não me pegou. Foi a primeira vez que não gostei de um filme de Quentin Tarantino, quem sabe em futuras revisões mudo esta impressão.

O problema aqui é que o ritmo, sempre tão fluente nos filmes do cara, é mal resolvido, e a divisão em subtramas, os inserts, não funcionam como em seus outros filmes. O roteiro de Inglórios, apesar do divertido e do delirante desfecho, também é um pouco decepcionante. Parece que foi tão bem trabalhado que passou do ponto. Merecia uma revisão e um refinamento, apesar de toda a sua inventividade.

Disfarçado de filme de guerra e vingança, aqui não temos mais uma recriação de uma aventura redentora tão popular no cinema clássico americano. A um pequeno passo da paródia, a trama aposta na subversão de velhos clichês envolvendo aliados e nazistas, uma grande brincadeira. Ambientado na Europa, não poderia ser mais americano e irônico.

Christoph Waltz, Daniel Brühl e Melanie Laurent estão sensacionais, e mereciam um filme só para os seus personagens. Brad Pitt e seu risível tenente Aldo Reiner poderiam doar todas as suas cenas para o Coronel Hans Landa e Shosanna, seria mais justo e benéfico. E que cena é aquela da grande Shosanna esperando o momento de sua vingança, ao som de David Bowie e seu tema para A Marca da Pantera? Sensacional e um dos momentos mais transcendentais do ano. Mas e o resto?

Vou parar por aqui antes que eu me incrimine mais. Pelo jeito, fui um dos pouquíssimos que não aplaudiram Bastardos de pé. Quem sabe qualquer dia desses

PSIU: Os últimos filmes de Tarantino tiveram péssima distribuição no país. Os dois volumes de Kill Bill foram lançados com seis meses de atraso em relação ao resto do mundo, e o ótimo Death Proof até hoje está no limbo da distribuidora Europa Filmes. Bastardos inglórios, a maior bilheteria da carreira do diretor, pelo jeito só saiu rápido no Brasil porque foi distribuído por uma major, a Paramount/ Universal.

PSIU 2: Meu Top 7 Tarantino (longas)

1. Kill Bill – Vol. 1 ( ***** )

2. Pulp Fiction – Tempo de Violência ( **** * )

3. Jackie Brown ( ***** )

4. Death Proof ( **** )

5. Cães de Aluguel ( *** )

6. Kill Bill – Vol. 2 ( *** )

7. Bastardos Inglórios ( ** )

Inglorious Basterds / Quentin Tarantino / 2009 (2.35:1)

4 comentários:

Saul disse...

Sou suspeito, porque achei um dos filmes menos afetados de Tarantino desde que ele entrou na fase Kill Bill e etc (onde as referências bem inseridas em uma história bem encaixada, como antes realizado em pulp fiction, deram espaço a excessos que dão a impressão de uma briccolage - uma vez só, tudo bem, mas depois ele ficou viciado nisso). Achei um filme com melhores atuações que os ultimos filmes dele (Carradine é péssimo em Kill bill vol.2)(Exceção, por incrivel que pareça, é Kurt Russel em Death Proof). Neste Bastardos..., todo mundo está muito bem. O filme é uma homenagem ao cinema, uma brincadeira com a história e memória, com os personagens reais ficcionalizados, e mesmo com a inversão de papéis muito claros da história real. O filme, realmente, como vc disse, não parece Tarantinesco, e esse é seu maior valor, em um momento em que Tarantino estava sendo uma piada, mais nada. Pior, um entrecorte de piadas repetidas, um liquidificador de piadas velhas pintadas com Suvinil Almodovar. Death Proof começou a mostrar alguma melhora, pois pra mim supera até o primeiro Kill Bill, apesar de alguns momentos baixos; Bastardos Inglórios é um momento de auge de tarantino como só se viu antes em Pulp Fiction. Chega de colagem. Agora sim ele voltou a pintar com as próprias tintas, a escrever com as próprias mãos, sem deixar de inserir suas referências, mas sem se deixar levar por elas e ser reduzido a um editor de filmes drive-in sem personalidade. O roteiro é ótimo, com, principalmente, os melhores diálogos que ele já escreveu desde pulp fiction - porque depois desse, ele só continuou com a fama de "bom escritor de diálogos", quando esse aspecto tinha desaparecido, ele tava escrevendo diálogos direto do cu dele e limpando com as páginas do roteiro. Os diálogos de Bastardos... são bem calculados, com a tensão necessária e a inteligência dele mais uma vez à mostra. Enfim, reassista rsrs

Saul disse...

Quanto a seu top 7: Colocar Bastardos.... em ultimo lugar é humilhante, quando Kill Bill vol. 2 merecia muito mais! Outros que desceriam também seriam Jackie Brown e Cães de Aluguel. Bastardos é, pelo menos, superior a esses 3 filmes. Só não faço meu top 7 porque tenho que reassistir Jackie Brown. Tenho baixa estima por ele, em uma época em que tinha assistido Pulp Fiction e aluguei essa merda esperando uma coisa e recebi outra. Principalmente a trilha, que é horrivel, não suporto black music. então tenho que rever com olhos técnicos pra poder organizar meu top 7. Mas Kill Bill vol.2 na frente de Bastardos... é por amor a Kill Bill mesmo, diga a verdade. Tecnicamente, roteiro, atuação, tudo... Kill Bill vol. 2 é tipo um fiasco, é o que estraga o vol.1!

heron disse...

concordo com saul, john... tu pegou pesado. embora que, revendo em divx, gostei bem menos. o filme me pareceu muito, sei lá, silencioso, mas não no sentido de não ter zuada, mas um pouco inexpressivo, enfim, não sei explicar bem... mesmo assim achei divino [ui]

bom, sobre o top 7, teria paciência para colocar um filme somente, death proof, o único filme "virei-fã" do tarantino pra mim.

Rafael Carvalho disse...

Meus Deus, eu não consigo pensar num Bastardos Inglórios como um dos piores Tarantino, até porque o cara não tem um pior filme. Incrível como ele parece acertar sempre.

Acho que sua insatisfação em relação ao filme é que, aqui, o Tarantino cria tensão a partir do prolongamento das sequências, tendo a favor um texto maravilhoso que parace que só ele sabe fazer dentro do cinema norteamericano atual. Não existe uma cena maravilhosa, mas blocos inteiros de talento sendo utilizado em cada plano, cada corte, cada ângulo, com precisão e sem pressa, porque assim não teria o efeito esperado.

Por isso, acho que, mesmo se utilizando dos mesmos artifícios de seu cinema, o Tarantno consegue se reinventar e nos entregar uma experiêcia nova e gratificante. Sem falar que ele recria a História em prol de sua história. Só os verdadeiros autores parecem ter essa permissão.