Vamos lá. Espécie de primo pobre do Harry Potter, a série de livros Crepúsculo (cujas futuras adaptações cinematográficas nos Estados Unidos serão apresentada com o pomposo pré título “The Twilight Saga”, mostrando o nível de auto-importância do produto) tem seu primeiro volume transformado em um filme funcional, para quem tiver saco de ignorar a tosquice da coisa toda. É divertido, mas não é necessariamente grande coisa, o que nunca foi um problema para alguns cinéfilos.
Não li o livro, mas pelo filme descobrimos que trata-se de uma história safada que usa a mitologia de vampiros apenas como um trampolim para concorrer com a saga de J.K. Rowling e vender seus idéias pudicos, recheados com doses clichês de romance, ação e um mínimo de mistério. Horror propriamente dito não há, o que já indica sinais de picaretagem.
Mas faz enorme sucesso por aí, principalmente entre as pré-adolescentes, adolescentes, meninas jovens e meninas de todas as idades que pensam que são adolescentes, porque é nada mais nada menos do que uma historinha de príncipe encantado incrustada de referências do mundinho pop, que vão dos já batidos X-Men à filme slasher adolescente. O resultado beira o trash, o que é corroborado por alguns efeitos visuais toscos, mas também não chega a ser um Caminhos do Coração da vida, ufa.
A escritora Stephanie Meyer demonstra a sua esperteza não pelo resultado em si, mas porque oferece a sua platéia algo mais do que batido, mas que ninguém pensou antes dela, o que a torna pioneira ao vender conservadorismo para um público, digamos assim, cada vez mais liberado.
A protagonista é uma virgenzinha branquela recém chegada numa cidadezinha, que atraí um colega bonitão e mauricinho, ainda mais branco do que ela, exatamente pelo seu cheiro virginal, seja lá o que for isso, e pele alva. Cheia de suspeitas, ao presenciar atitudes estranhas do tal colega, ela entra no Google.com e descobre que ele é um vampiro, passando a perna em todos os moradores da cidade, que nunca descobriram isso neste tempo todo.
Iniciam um romance em que, como muitas paixonites adolescentes, ela logo afirma que não pode viver sem ele. Só que a autora, assim como a roteirista, leva isso a sério, o que é justamente um dos motes da série – de quatro livros, todos lançados no Brasil até o fim deste mês.
O fato do nosso vampiro bonitão herói ter quase cem anos nas costas, e a menina ser menor de idade, jamais é questionado. O amor não tem idade, embora o filme passe longe de qualquer lirismo ao estilo Ensina-me a Viver. Quando os amassos entre os dois esquentam (ele tem acesso livre ao quarto dela), em vez de uma ereção, as presas dele aparecem, sugerindo que mais uns beijos depois, plaft, ela está fudida, não literalmente, que fique claro. Portanto, o namoro será pudico, se ela não quiser virar vampira (vampirismo=libertinagem?). Não há sugestões de que o vampiro Edward tenha dado umas durante umas boas décadas. O vampiro que toda mãe adoraria ter como genro.
Apesar da caretice da coisa toda, e da visão extremamente conservadora do livro, que nos apresenta índios (que, saberemos depois, são lobisomens.Zzzzz....) que ironicamente parecem uma versão do white trash americano. O único negro da história é um vampiro bandido do mal. Os vampiros “do bem” são ricos e lindos, parecem que acabaram de sair de um desfile de modas, se arrumando para ir direto pra uma academia de ginástica. Assim é bom.
Dito isto, o filme funciona como diversão razoável, embora nada surpreendente, graças à mão firme com que a diretora Catherine Hardiwcke, do ótimo Aos Treze, conduz o mundinho dos personagens adolescentes, a única coisa do filme que chega perto de algo verdadeiro e convincente.
No mais, também é muito interessante a cena em que toca Muse, haha, e o destino do bandidão dessa primeira versão, com uma sugestão de violência cruel totalmente inesperada, já que o tom de quase todo o filme é morno. Última cena excelente também.
Fica a suspeita de que se fosse dada maior liberdade a Hardwicke, o filme seria mais vibrante e interessante, e consequentemente menos careta. Mas esperar isso num produto tão controladinho pelo estúdio, vigiado por milhares de fãs que exigem uma adaptação fiel (como se o livro fosse insuficiente para acalmar os seus corações) é esperar demais.
O próximo capítulo, Lua Nova, já está sendo filmado à toque de caixa, com os produtores correndo para lançar o produto em novembro deste ano. Má notícia: a direção ficou a cargo de Chris Weitz, que fez o ótimo Um Grande Garoto e também o pavoroso A Bússola de Ouro. Hardwicke, que com Crepúsculo tornou-se a diretora de maior retorno financeiro em Hollywood, se recusou a voltar pelo tempo curto destinado a pré-produção, o que já demonstra que, duh, a onda do estúdio é mesmo faturar, pai!
Incrível que nesta era cínica moderna tantas meninas continuem sonhando com o tal príncipe encantado, em uma obra que prega o valor da castidade, ideia que deve ter surgido em algum circuito careta norte-americano (Meyer é mórmon), e que vem dando muito certo. Quem quiser vampiros assanhados e moderninhos, só recorrendo à série de televisão True Blood mesmo.
Twilight / Catherine Hardwicke / 2008 (2:35:1)